quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Como se caracteriza o fato religioso hoje?

Discutir a questão religiosa é uma verdadeira saga que envolve o relógio biológico, psicológico, temporal e teológico do pesquisador sobre o assunto. Há uma necessidade premente e irrenunciável: debruçar-se sobre os fatos que aproximam e distanciam o ser humano de um ou outro segmento religioso.
 Acenamos acima para a questão dos “relógios” porque não se pode medir o hoje da vida/manifestação religiosa sem conhecer os encaminhamentos passados, seus desdobramentos, suas influências e etc. A religião cobre o ser humano de forma abrasadora – “Pois a Palavra de Deus é viva e eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; penetra até dividir alma e espírito, junturas e medulas” Hebreus 4,12 – ela corta ossos e medulas, criando uma dor suportável ou insuportável na sua existência. Não se pode anular o credo religioso de um povo ou raça dentro de uma época. Queremos ressaltar que não se pode desmerecer, desdizer. Toda manifestação religiosa com suas interfaces acaba varando a história.
Quanto à caracterização do fato religioso, gostaríamos de iniciar com um breve comentário e depois apontar três características que emergiram na nossa reflexão.
A necessidade de buscar o sagrado não se esgota mais no encontro da vida religiosa com uma doutrina. Desafiado a pensar em Deus ou sem Deus o sujeito pós-moderno se capacita a superar as tendências religiosas consideradas ‘convencionais’ para construir um caminho multifacetado. Há na condição humana o desejo de saciar o espírito, de fazer experiências religiosas que responda às suas inquietações. As respostas apresentadas anteriormente pelas tradições religiosas cristãs ou mesmo pertencentes aos grupos religiosos mais tematizados como budismo, islamismo, xintoísmo e outros, deixaram crescer um sentimento de pertença limitado e por ai, o homem e mulher de hoje, encara a diversidade e a pluralidade religiosa como um risco mais que precisa ser encarado.


Dentre as várias características podemos apontar três:

1.1  O crescimento do pluralismo. Ele enseja algumas interrogações que ajuda na formação do discurso religioso hoje.
O que é pluralismo religioso? Consideremos que ele não é a ausência de verdades como se pregava nas religiões do ‘livro’. Trata-se da existência de credos e manifestações religiosas que procuram envolver o ser humano com suas preocupações. Apontamos autores que descrevem: a idéia pluralista – que marca inevitavelmente os tempos atuais – não significa anular a doutrina hegemônica no ocidente capiteneada pelo cristianismo.
“Conforme dados recentes, cerca de dois terços da população mundial não conhecem Jesus Cristo; a população restante, constituída de cristãos, encontra-se dividida entre si” (TEIXEIRA.Faustino. http://www.editoraufjf.com.br/revista/index.php/numen/article/view/866/751). Ano 2000, p. 3).
“O Deus uno e trino, que é mistério de amor, não se encerra na solidão da incomunicabilidade, mas comunga o seu mistério plural ao gênero humano na história. Trata-se de uma comunicação transbordante e diversificada. As tradições religiosas da humanidade expressam estes "diversos modos" (Hb 1.1) com que Deus falou e se prodigalizou aos seres humanos, muitas vezes, em sua história” (TEIXIERA. Faustino. Ibid, 2000, p. 5).
Mas deixar que os fenômenos ditos religiosos apareçam em toda a sua inteireza. Nunca minimizar a prática oriunda de qualquer segmento, antes estudá-la com isonomia e sem preconceitos. Considerado excêntrico em algumas de suas afirmações, esse pensador, tem colocado para discussão o fato mais típico dos tempos atuais e que merece nossa atenção.
Porque se debate tanto esse fenômeno na atualidade? Com o crescimento numérico e provado por estatísticas de vários segmentos religiosos, aquela superioridade do cristianismo e do catolicismo no Brasil e no mundo passou a ser questionada. Urge uma nova consciência religiosa que já se admite várias pertenças e até misturas na prática religiosa. O debate sobre o pluralismo ganha corpo no campo acadêmico e entre os vários estudiosos das espiritualidades que surgem no momento. Recordamos o Dalai-Lama, figura central do budismo tibetano, que nos seus escritos, deixa nítida a idéia de respeito, tolerância e convivência pacífica com o diferente. Ademais, cremos que atravessamos no hoje da história um momento delicado, aonde não cabem mais atitudes de rechaçamento a quem vê e experimenta o sagrado de maneira diferente da minha. A vontade de se encontrar caminhos pacíficos para a convivência dos vários povos e culturas passa pela religiosidade. Impõe-se praticamente um caminho plural, aonde o crente conhecedor de sua doutrina, possa sentar-se para discutir com os outros sem alimentar o ódio, o preconceito e animosidades. É um caminho no nosso entendimento, que não tem mais volta.
1.2. A força do secularismo: diante da separação proposta pela modernidade entre o Estado e a religião, fica clara a concepção do secularismo que a sociedade assume perante aquilo que chamamos “a vida religiosa”. A modernidade dita outras regras para a vida social que entram em contraste com a estrutura religiosa que antes dominava as pessoas. A modernidade não aceita mais a superioridade da religião. Chega até, como vimos em questões anteriores, a preconizar o seu fim. É nesse contexto, que o secularismo se impõe como fenômeno e gera uma fisionomia diferente na prática religiosa atual.
Aquilo que se caracteriza como secular precisa ser encarado pelas religiões como fato. Vejamos por exemplo: a indiferença, o suposto ateísmo proclamado por muitos e muitas, o descuido com normas religiosas rígidas na vida sócio-religiosa de muitas pessoas – e até mesmo a ciência que procura responder as inquietações humanas – não deve antever um fim dos credos. E sim, uma nova maneira de se postar perante a vida. Tornar a discutir a questão do sagrado, já pressupõe a necessidade de não se encolher diante dos questionamentos seculares.
1.3. A emergência do ‘subjetivismo’: ao buscar a vida religiosa contemporânea em suas várias facetas, o ser humano se pergunta se esse caminho vai contemplar as suas inquietações, responder às suas angústias e oferecer uma tranqüilidade espiritual. O que vemos hoje é exatamente o princípio do ‘eu’, ou seja, a satisfação do sujeito sobrepondo-se ao sentimento coletivo.
O subjetivismo caracteriza as procuras religiosas atuais. Trata-se de um caminho emergente da cultual atual que não pode ser negligenciado. São muitas as experiências descritas por pessoas que procuram o sagrado de forma contundente e não se enquadram, digamos assim, nos moldes das religiões tradicionais. Em muitos casos, a experiência gera mistura de aspectos doutrinais de várias religiões ou até a diluição de determinados valores religiosos. Nesse caso, uma das mais acentuadas correntes atuais é a conhecida “nova era”. O subjetivismo que colocamos aqui, não é um pressuposto para ser condenado. E sim, uma verificação dos sintomas religiosos atuais que merece pesquisa. Vemo-lo também como um traço cultural que emerge com força na modernidade e precisa ser conhecido e encarado como todo fenômeno de estudo. 

                                                             JOSÉ SOARES DE JESUS
                                                    MESTRE EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
                                                                  UNICAP - PE