domingo, 14 de abril de 2013

A FARTURA NA VIDA DA COMUNIDADE

A presença do ressuscitado nas margens do mar de Tiberiádes – palavra que significa Ṭabariyyah: uma cidade no norte de Israel.  Foi denominada em honra ao imperador romano Tibério – modifica a fisionomia e a história dos apóstolos Pedro, Tomé, Natanael e mais quatro do grupo que seguia o Nazareno (João 21,1). O trecho de João 21, 1-14, mostra a condição “renovada” do grupo após a ressurreição. Além da audácia e da paz que sentiam, os apóstolos são apresentados como homens que retornam a sua rotina e dentro dela, a perspectiva da mudança é sentida com muita força.
Quando refletimos sobre a páscoa em meio a essas pericopes do segundo testamento (N.T.), uma indagação deve nortear-nos: o que muda de fato na vida dos cristãos com a Ressurreição? Tudo não parece normal? Ora, aparentemente sim. Olhando na dimensão bíblica e a partir dela vislumbrando a realidade da sociedade moderna atual tudo parece o mesmo. As tragédias, o sofrimento da natureza, a violência contra o ser humano – de modo mais chocante contra as mulheres e os idosos – a iminência de guerra e outras anomalias parecem desconfigurar o que vemos e assistimos. Na verdade, o céu não trocou de lugar com a terra, mas, na vida dos seguidores e seguidoras de Jesus se estabelecem novos parâmetros. Ai está à diferença da páscoa para nós.
Em primeiro lugar, a certeza da paz. A novidade do Senhor vivo e agindo entre eles estabelece um novo tipo de relacionamento. Seja na ótica de João ou na de Lucas – evangelho e atos – é preciso restaurar o comportamento perante as dificuldades e os conflitos. O Senhor vive e passa a ser o centro da vivência e da pregação da comunidade. Notemos que logo no início Estêvão é martirizado, as perseguições prosseguem e, mesmo assim, existe um clima de paz, serenidade e alegria. A paz não é sinônimo de acomodação ou de “irenismo”. Ela é fruto de busca e de conquista. Como cristãos (as) amadurecidos, temos que devolver a nossas comunidades essa sensação. Somos muito carentes de paz.
Em segundo lugar, a dimensão da esperança. O ressuscitado cumpre a promessa e envia o Espírito Santo sobre a “nova comunidade” (Atos 2). O Senhor não tergiversa e nem confunde o grupo. Homens e mulheres seguiam de perto o nazareno e, agora, ressuscitado, seguirão a esperança e a concretude das suas promessas. O Espírito de Deus dado a comunidade permitirá que tudo continue como antes; claro que de maneira intensa e iluminada. Aqui não podemos deixar de apontar a melodia de Zé Vicente. Com seu talento e mística é um dos maiores divulgadores da luz e da esperança entre nossas comunidades. Canta o Zé: “Quando o Espírito de Deus soprou o mundo inteiro iluminou. A esperança na terra brotou e um povo novo deu-se as mãos e caminhou. Lutar e crer vencer a dor louvar o criador. Justiça e paz hão de reinar e viva o amor”.
Em terceiro lugar, o sentido da fartura (João 21, 9-12). Pão, peixe, comidas típicas entre nós, água, chuva e outros sinais. Como estamos carentes de partilha. No texto de João, antes de desembarcar os apóstolos vêem o Senhor e encontram comida na beira do mar de Tiberíades. É um sinal inconteste de que onde Deus está à amargura, o egoísmo, o consumo desenfreado e excludente não se perpetua. Para que o Cristo acenderia o fogo senão para sinalizar que ele aquece apenas os que sabem dividir? Não teria sentido o ressuscitado voltar a Galiléia e se auto-apresentar. Não necessitava disso. Sua passagem de volta entre a comunidade aponta para a superação da fome, da dor, do constrangimento. É duro, impiedoso, anti-evangélico ver ao nosso redor a fome que ainda assola irmãos e irmãs. A páscoa não pode estar completa se nossas comunidades não aprenderem a maior lição do nazareno: a partilha do pão!


José Soares de Jesus
Assessor das CEBs
Professor de História e Sociologia da Religião
Mestre em Ciência das Religiões pela UNICAP-PE

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A COMUNIDADE APOSTÓLICA E SEUS DESAFIOS

No contexto da alegria pascal celebramos no segundo domingo da páscoa um dos momentos mais alvissareiros da ‘comunidade’ dos seguidores (as) de Jesus. Com textos provocativos como o de Atos 5,12-16 e o de Ap 1,9ss, pudemos observar como são reais e contundentes os traços da verdadeira comunidade cristã.
Logo de início antes dos relatos bíblicos cabe uma pergunta: nossas comunidades ditas cristãs de hoje, possuem na verdade características comuns com a dos primeiros cristãos, ou são apenas, agrupamentos humanos? Vamos a alguns fatos!
Togo grupo que se reúne em torno de alguma coisa, ou acontecimento ou memória ou fato extraordinário, consegue resgatar com pujança a origem do que aconteceu no passado para impulsionar a realidade presente. Ou seja, é um grupo que tem motivação e objetivo claro. Nossas comunidades vivem ligadas umbilicalmente ao que celebram? Possuem norte e direcionamento ou vivem presas a regras e atabalhoadas na mesmice? Procuram resgatar a memória do ressuscitado?
Na leitura dos Atos 5, 12-16 a coragem de Pedro e a crença expressa dos fiéis tem uma conotação belíssima. Possui traços de liberdade e ousadia. Sinceramente, não vejo muito essas questões nas comunidades aonde passo. Lucas descreve que, quando Pedro passava algo de novo acontecia. Os fiéis levavam até doentes para ver se a sombra de Pedro tocava-os ao passar (At 5, 15). O que carregava consigo esse “homem simples”, esse – numa linguagem do sertão – tabareu da Galiléia? Algum talismã ou poder esotérico? Nada disso. E talvez aqui esteja presente a chave da questão. Mesmo antes da efusão do Espírito Santo, Pedro vem dominado – de dominus, Senhor – pelo Espírito do Senhor Ressuscitado. Pedro encabeça uma comunidade que se sente movida, atraída liberta e pronta para seguir um Deus vivo e não a imagem de uma figura inerte.
Pronto, dois traços já podem clarear o caminho da comunidade que se diz cristã. O primeiro é a Ousadia. Não confundir com petulância e falta de bom senso. Cristão (ã) de verdade não perde tempo com conversas dúbias e sem rumo. Não se preocupa em demasia com a vida dos outros. Não fofoca, não perturba a vida de quem descobre o caminho do ressuscitado. Não atrapalha a mística daqueles e daquelas que possuem espírito forte e orante (ver Ap 1, 10-12). Ousadia é o mesmo que destemor. Você vê e sente isso na sua comunidade?
O outro traço é a Liberdade que o Espírito provoca. Parece que há muita gente acovardada no atual contexto da vida cristã. E mais, em todos os níveis. Parecem mais preocupados com o espetáculo e as rendas do que com a continuidade da libertação que Jesus trouxe. Esses (as) são covardes. São traidores da missão do nazareno. Pouco afeitos a mudança e por isso, colocam todo tipo de barreira para que as coisas não deslanchem. A liberdade provoca entrega, alegria, satisfação generosa, abertura e diálogo com o diferente. Seja de uma religião diferente, de um grupo social, cultural, das minorias, etc. Quem é provocado pelo Espírito do Ressuscitado não idolatra o poder, mais o utiliza em função dos excluídos e dos desanimados. Nossas comunidades agem assim?
Por fim, creio que urge verificar se nossas reuniões e celebrações não estão formando agrupamentos humanos com interesses distintos daqueles que Jesus preconiza. Oxalá esteja no caminho certo. E como no evangelho de João 20,19-31 Ele, o Ressuscitado, aparece e deseja por três vezes a paz, é melhor exorcizar os três venenos ou “demônios” que impedem essa paz nas comunidades. São eles: a mentira, a divisão e a fofoca. Trabalhemos e vejamos a partir dessas referências se sua comunidade e as comunidades são de fato lugar – topos - de amadurecimento humano e cristão.

José Soares de Jesus
Assessor das CEBs em Aracaju-SE
Professor de História e Sociologia da Religião
Mestre em Ciências da Religião pela UNICAP-PE