terça-feira, 10 de maio de 2011

A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

Na sociedade atual tudo se constrói a partir de imagens e espetáculos. As notícias são transmitidas no ato dos acontecimentos e na tela do computador ou na TV digital temos a impressão que o mundo está dentro de nossa casa. Só que na maioria das vezes não medimos as conseqüências do que vemos e nem refletimos sobre os fatos.
Tudo é notícia. Desde o esporte, a novela, o telejornal, o filme e até sobre a religião. Nada é mais pensado. Para que, vemos no ato as coisas! Essa impressão é enganosa e não cria uma cultura construtiva, crítica, cidadã e adequada. Na velocidade em que os acontecimentos se desenrolam estamos navegando no escuro.
Semana passada – mais precisamente no dia 2 de maio – a Rede Globo dedicou quase 90% do Jornal Nacional a epopéia americana que culminou na suposta morte de BIN LADEN no Paquistão. Deu destaque imenso, interagiu com repórteres dos quatro cantos do mundo, passando pela Europa, Israel, Ásia, Oriente Médio e América Latina. O presidente do Peru disse que foi milagre e tripudiou da morte do terrorista pensando que Deus se alegra com sinais de espetáculo. Penso que se enganou.
A maneira como o poder americano conduz a política internacional nada tem de divino. O poder militar exacerbado é prova de insegurança de uma cultura que se considera hegemônica fala de liberdade, mas não respeita os direitos humanos. No caso exposto de BIN LADEN – salvo os atentados contra o ocidente – o Jornal Nacional devia dá a mesma cobertura aos reclames do Paquistão que lamenta a ingerência americana no seu território. Quem está com a razão? Talvez nenhum deles. Divulgam protestos formais mais agem de maneira desumana visando interesses bélicos e comerciais.
No mundo do espetáculo a vida humana e do planeta vale pouco. As necessidades que vigoram são a do consumo de armas, da violência e do poder. Não são mediadas as conseqüências da mentira e do assassinato em massa de pessoas indefesas em nome de uma ideologia capitalista desenfreada e predadora.
O espetáculo está tomando conta da nossa liberdade de decidir. Ele é perigoso e conduzido assim é nefasto. Não respeita nem o poder da consciência onde Deus se revela ao ser humano.
“De fato o homem tem uma lei escrita por Deus em seu coração. Obedecer a ela é a própria dignidade do homem, que será julgado de acordo com está lei. A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz” (GS 16).
Estamos aplaudindo tanto a morte de BIN LADEN como a morte das vítimas do 11 de setembro. Não fazemos muita distinção, não dá tempo, queremos notícias, fama, projeção, espetáculo, beleza, festa e estamos trocando nossa liberdade cristã que prega o direito à vida pelo simples prazer de consuir.
A saga pós-moderna da indiferença frente aos valores humanos está nos anestesiando. Pode ser uma notícia boa ou má. Não importa. Vale do mesmo jeito. Tudo é muito rápido e nossas relações também se tornam pífias e superficiais. A norma do descartável está presente em nossas decisões, se é que tomamos alguma (...).
Nossa proposta é olhar com criticidade e ternura a vida e os acontecimentos não julgando os fatos e o ser humano apenas pela notícia. A vida esconde muito mais beleza do que pensamos. Os motivos do terrorismo são nefastos mais nossa maledicência em consumir é proporcional a ele. Não somos seres descartáveis. Não é essa a proposta cristã. A vida vale muito mais em sua plenitude.
Precisamos descobrir o valor da ternura em nossas relações pessoais e comunitárias. A sociedade atual está carente de afeto. O espetáculo não pode ditar as regras. Urge redescobrir no diálogo incansável e na tolerância amorosa os direitos comuns que temos a vontade imensa de paz que buscamos e o ímpeto divino de felicidade que nos cerca. Somos herdeiros da pregação de Jesus. “Felizes os mansos porque herdarão a terra. Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5, 4.9). A felicidade, a alegria, o desejo incessante do aconchego deve nortear nossa vida contra toda forma de espetáculo.

REFERÊNCIAS
Bíblia de Jerusalém, Paulinas, 1985.
Compêndio do Vaticano II, Vozes, Petropolis, RJ: 1983.

José Soares de Jesus
Professor de História da Igreja Antiga – Contemporânea
Mestrando em Ciência das Religiões – UNICAP



sexta-feira, 6 de maio de 2011

O pobre está contemplado na reflexão teológica atual?

Seis de maio/2011
Vários temas e aspectos da sociedade atual têm nos chamado atenção: política, ecologia, educação, igreja e religião. Façamos aqui uma observação entre igreja e religião. Elas estão separadas não só por questão semântica, mas por necessidade de aprofundamento e elucidação.
Muitos (as) fazem coincidir religiosidade com eclesialidade e acabam colocando seus interesses acima do mistério. Explico! Ao falarmos de religião, faz-se necessário encontrarmos o caminho da paixão, do entusiasmo e do encantamento que levou muitos Padres da Igreja nos séculos III e IV ao martírio e a combater as "forças do mal" que oriundas do Império Romano e outros lugares, oprimia os cristãos. A voz dos Padres da Igreja era alicerçada num dinamismo e numa pregação profunda que colocava Jesus Cristo como mistério de amor e de compaixão, capaz de dá sentido a existência humana e de reunir forças para superar os desafios impostos por políticas que separava culturas "inferiores" na ótica do dominador. O próprio cristianismo era até então subjugado e desafiado.
Jesus não era um "ícone de plástico" - grifo meu - erguido numa cruz de metal para ser adorado e cultuado como hóstia sem sacrário. Jesus não era uma proposta inviável ou um fermento sem poder de levedar. Ao contrário. Ele era assumido como o Deus-Humano o Amor-Encarnado que abrasava o coração, questionava as estruturas sociais e religiosas e continha um poder que se patentizava na comunidade. Ser cristão e cristã no século II, III e IV era comungar e tornar-se sacrário humano, dinâmico, móvel, comprometido, amando e amado, era fazer da vida uma paixão alucinante que desconcertava os que olhavam para as comunidades. Jesus não era objeto de culto isolado. Jesus era seguido, era proposta para discipulado e não para estagnação.
Recordamos um pouco Paulo e o papel das mulheres em suas comunidades. Quem mais tem paciência, afeto, coragem e tino para manter comunidades do que as mulheres? Vejam essa beleza da epopéia paulina: "Recomendo-vos Febe, nossa irmã e diaconisa da Igreja de Cencréia, para que a recebais no Senhor de modo digno...porque também ela ajudou a muitos, a mim inclusive. Saudai Priscila e Áquila, meus colaboradores...Saudai Maria, que muito fez por nós. Saudai Andrônico e Júnia, meus parentes e companheiros de prisão" (Rm 16,1-3.6-7). Como podem querer reduzir o cristianismo apenas a uma religião de culto? Não há cristianismo e nem Cristo sem militãncia, sem martírio, sem sofrimento e sem diaconia. Não há religiosidade e força eclesial sem as mulheres e sua catequese libertadora. Foi assim na origem. Não se pode apagar nem mascarar. 
Lembramos Agostinho escrevendo para Proba e Juliana no século IV. Vida cristã era vida posta a serviço dos outros (pobres) e não caminho de poder para o Império. Quantas lições e quantas queixas para hoje. Nossa teologia ocidental carece de brilho e explicitação. Não se faz teologia sem o "mistério de Cristo" e do "ser humano contemplado na sua encarnação". Teologia não é para esconder raciocínios e esquemas montados que acabam dificultando a experiência mística tão necessária para teólogos, pastores, leigas, missionários e o povo crente. Não existe reflexão racional pura sem identificação com a causa do Jesus pobre, sofredor e ressuscitado. Lembremo-nos de Marta, Lázaro e Maria (Lc 10, 38-42). Todos do movimento de Jesus. Na casa deles Jesus fez teologia. É fez, e, não escondeu a face do Pai que mais tarde Paulo chamaria o Pai das misericórdias. Em Betânia Jesus colocou o dom de servir e de rezar a serviço da mística do reino do seu Pai. Isso sim é teologia.
Lançamos um olhar sobre a religiosidade e a eclesialidade na América Latina a partir de 1968 com Medellin e 1979 com Puebla. Recordamos dos pilares da teologia da Libertação e da opção preferencial pelos pobres. Já ouvimos alguns - creio que mal informados - dizendo que ambas morreram. A eclesialidade de hoje é outra. Será que morreram ou foram transignificadas. Esclareçamos: foram transformadas e realimentadas a partir de outro contexto de mundo e de Igreja. E por quê? Ora, uma Teologia com 42 0u 45 anos ainda é adolescente. Não poderia ter sido sepultada. É pungente, renovadora, forte e este presente lá aonde muitos e muitas do clero e da vida religiosa deixaram suas armas com medo do embate: está em muitas periferias formando lideranças cristãs e sindicais; está nos guetos pela dança, pelo teatro pela capacidade do povo pobre se renovar; estão na ação de pastores, leigas, bispos e padres comprometidos na causa indígena, ecológica, da terra e do pão partilhado “Eu sou o pão vivo que desceu do céu” João 6,51a. Pão que desceu, ficou entre nós e alimenta, inebria e fortalece.
O período de gestação da Teologia da Libertação passou por necessidade da própria história. Mas seus matizes e a reflexão alimentada por ela continuam vivos e eficazes. Teologia não morre, não sucumbe. Teologia com experiência mística como a Teologia da Libertação não possui "propriedade no cartório". Tem semente, luzes, inspira práxis, é transformadora e alcança diversos caminhos na e fora da vida eclesial.
Os anos 80 foram de muito acrisolamento para teólogos e agentes da pastoral que se identificava com a Teologia da Vida e que gerou o Cebi e as Cebs. Foi um período de purificação e revisão. Ora forçada e ora por necessidade mesmo de re-direcionar e re-configurar o rumo. Mas ela sobreviveu. O que faz Frei Carlos Mester's, Orofino, Gebara, Dom Marcelo Barros, Leonardo Boff, Pe. Comblin (in memoriam), Ir. Francisca, Marlene e Pe Isaías é o que? Pura teologia. Uns fazem como luzeiro, outros e outras como provocação, outros como profunda oração que instiga e desinstala. E destaco no final Pe. Isaías de Propriá. A teologia dele é eclesial. Ele faz com seu trabalho a aproximação entre o novo e o antigo. Coloca nas mãos do povo o instrumento para a labuta (A Palavra) e ganha do povo a espada da confiança que só guerreiros e profetas usam quando conhecem o pensamento do povo e a opção amorosa de Deus. Quem vive no centro de nossa teologia?
               
José Soares de Jesus
Graduado em Filosofia pela UNISAL – Lorena/SP
Prof. de História da Igreja Antiga – Contemporânea
Mestrando em Ciências da Religião - UNICAP

quinta-feira, 5 de maio de 2011

TRAGÉDIA SEM PRECEDENTES

O ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 tem sido utilizado como forma de pressionar a opinião pública mundial contra os terroristas e, claro Osama Bin-Laden, colocado como o “pai” dos ataques.
A luta anti-terror é válida e nos perguntamos porque tanto ódio. A história registra que desde o século XIII período das Cruzadas, cristãos e muçulmanos se rivalizaram na tentativa de dominar e comandar a Terra Santa. Não é motivo de guerra, pensar que Deus e os lugares sagrados aceitam tamanha hostilidade. Mas o pior aconteceu: a religião foi e continua sendo usada como motivo de disputa e animosidade. Que pena isso é, coisa do ser humano e suas estruturas injustas e não vem de Deus.
Assim, vários capítulos de disputa entre as religiões no oriente e ocidente se sucedeu e os chefes religiosos se revezam para tentar minimizar a disputa. A tentativa é válida mais nem sempre alcança êxito porque ainda somos muito radicais e xiitas em nossas atitudes.
Religião não combina com intolerância e morte. Religião não pode ser usada a favor de grupos políticos, econômicos e ideologicamente montada no ódio para falar de Deus, Iahweh, Allah, El-Shadai, Adonai. Os cristãos amigos e discípulos-missionários (as) do Cristo Ressuscitado têm que lutar pela paz. “Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana...Jesus chegou, pôs-se no meio deles e disse: A paz esteja convosco” (João 20, 19-21). Ontem, hoje, amanhã, já e agora.
A paz se alcança com diálogo e acolhida ao outro que pensa e reza diferente de mim. Quando no evangelho se vê Jesus agir de maneira intolerante? Não fazia parte da sua pregação. Precisamos revisar e muito as nossas atitudes e de nossas igrejas.
No caso da segunda feira 2 de maio passado, assistimos a uma tragédia que solapa e vilipendia a liberdade e a dignidade humana. Não questionamos o direito de prender a Bin Laden mais entrar numa casa, violar um lugar que é tão sagrado em todas as religiões e executar cinco pessoas é legal?  É legal prender, julgar e até executar? Talvez sim! Mas fazer de um assunto tão delicado motivo de espetáculo é abominável. Somos contra o terrorismo, mas terror de todo tipo. Chega de exibicionismo, de imperialismo e de tragédias contra a pessoa e as religiões. Se você tivesse sua casa invadida e sua família fosse executada – independente das causas – como gostaria que a sociedade reagisse? Pense nisso.
5/maio/2011 
José Soares de Jesus

terça-feira, 3 de maio de 2011

O Pluralismo Católico e os desafios da Pós-Modernidade (I)

O Pluralismo Católico e os desafios da Pós-Modernidade (I)
            Toda religião possui dogmas, ritos, princípios morais bem formalizados enfim, todo um sistema de normas colocado a disposição de seus seguidores. As religiões mais antigas que o judaísmo – como o hinduísmo – também é prenhe de normas. Como somos cristãos e nossa raiz é judaica, estamos cotidianamente discutindo nossas regras e nossa inserção no mundo transcendente. O que nos parece cada vez mais nítido é: não podemos deixar de considerar nossa condição de ser plural dentro e aceitar e conviver com o plural fora de “nossos muros”.
            Dentro de nossas fronteiras ou limites eclesiásticos descortinamos uma herança fantástica da tradição e dos concílios dos primeiros séculos que deram base sólida à nossa maneira de crer. Nossa teologia católica é profundamente baseada nos padres da Igreja e no pensamento tomista que “batizou” de forma sistemática a filosofia aristotélica, fazendo da razão um meio preciso para se entender a revelação divina.
            O desgaste que a história acaba impondo a toda formulação doutrinária nos atropelou em algumas situações – Reforma, Contra-Reforma, Trento, por exemplo – mas não tirou o brilho total de nossa mística; arranhões que necessitam de correção. Porém, o que mais se discute hoje é a “própria experiência de Deus”. Ora esse mistério está além da teologia que se sente – após dois mil anos – adolescente ao tentar explicar, discursar ou nos conduzir ao cerne de Deus. Tentativa sim, esgotar jamais. Pois bem, dentro de nossos muros, muitas espiritualidades nasceram e nascem com esse desejo de compreender melhor o inefável. Nossa tenta tiva atual tem sido um desafio constante de compreender porque na diversidade que somos ainda nos infantilizamos quando o assunto é pluralismo. Parece que o “mistério de amor” proclamado por João: “Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é amor” (1 João 4,8) se esgota na “minha” condição ou no caminho que  escolhi. Na verdade, são tanto os caminhos, porque prevalecer a minha opção? Todos têm olhos para enxergar o mistério, não para manipulá-lo. Caminhos traçados por Bento de Núrsia (beneditinos), Francisco de Assis (fransciscanos) e aqui uma nota: quem mais do que o povorello de Assis foi tão plural ao procurar o sultão e propor-lhe a paz? Inácio (jesuítas) que a partir da Espanha espalhou pelo mundo seus exercícios espirituais. Bernardo de Claraval (cistercienses), Tereza de Ávila, Catarina de Sena, João da Cruz, Dom Hélder Câmara,  Pedro Casa ldáliga e tantos outros e outras.
            Na espiritualidade ou na teologia – mesmo que hoje se compreenda que espiritualidade e teologia não se excluem – temos a obrigação de fazer proliferar a mentalidade de enxergar o novo. Nos grupos e movimentos que surgem ao redor desse barco – uma Ekllesia – de dois mil anos, não se pode esperar homogeneidade. Ao lembrar que no século II o Montanismo já arrumava disputa por causa do Espírito Santo nós agora não devemos esconder do outro o direito de pensar Deus, amar Deus, sentir Deus e fazer a experiência profunda de Deus.
“O nome mais frequentemente associado com a liderança da nova profecia (Montanismo) é Montano. Pouco dele se sabe além de que era natural da Frígia, convertido ao cristianismo, excelente organizador e um profeta que sofria possessões extáticas e falava de maneira estranha sob a inspiração do Espírito Santo”  (IRVIN Dale T.; SUNQUIST Scott W., 2004, p. 190). 
            No que diz respeito às relações fora de nossas fronteiras à situação tem sido ambígua e às vezes intolerante. Não somos muito preparados para o diálogo. Gostamos mesmo é de determinar. Só que a pós-modernidade que é vizinha, e muito próxima por sinal, de nossas comunidades, de igrejas e já está presente há muito tempo na discussão acadêmica não permite mais esquecermo-nos que a identidade subjetiva do século XXI clama por um espaço para também ela falar de religião ou dos fenômenos que a envolvem. Até mesmo a racionalidade iluminista com os pilares da metafísica foi colocada em xeque pela pós-modernidade. A volitividade das coisas não permite ao ser humano do século XXI prend er-se a princípios. Tudo é fortuito, passageiro, instável e no quadro religioso, essa atmosfera é terrível e desafiadora. Precisamos de novas posturas e de uma epistemologia mais clara – sem objetivismos – para encarar essa pluralidade opaca.
“A nostalgia de realidades estáveis e autoritárias passadas poderia terminar em neurose. Antes, a liberdade deve ser procurada na desorientação. Não a descoberta de que somos “realmente” como negros, mulheres e assim por diante, mas apenas a descoberta da finitude, historicidade e contingência de nossas próprias identidades e sistemas de valores” (LYON, 1988, p. 78). 
Como se vê não há nada de preocupação com o infinito, com dogmas e com o abstrato. O que vale é a nova identidade contingente e passageira. E mais, para que discutir o absoluto? Na agenda pós-moderna tudo se relativiza e nossa preocupação em fixar pilares estáveis precisa encontrar postulados mais claros. Sem recuo e sem querer esconder a realidade, temos um desafio enorme e contínuo pela frente. Se a cultura atual é volátil nossa compreensão do mundo precisa de novos instrumentos de avaliação. O homem e a mulher religiosos não possuem mais referências tão claras para a contemplação de Deus e seu mistério. Faz-se mister procurar, refletir na diversidade, posicionar-se ante a novidade, não excluir o diferente e  assumir uma atitude de contemplação daquilo e daquele que move sua existência. Como se percebe é um caminho mais paradoxal e exigente.
            A conferência de Aparecida já adverte sobre as mudanças do tempo que vivemos. A perspectiva é de analisar o presente com acuidade e sem fundamentalismos. A constatação obvia que se fez é de que não estamos sozinhos e precisamos urgentemente rever nossa metodologia.
“Reconhecemos que, ocasionalmente, alguns católicos tem se afastado do Evangelho, que requer um estilo de vida mais simples, austero e solidário, mais fiel à verdade e à caridade, como também nos tem faltado valentia, persistência e docilidade à graça de prosseguir, fiel à Igreja de sempre, a renovação iniciada pelo Concílio Vaticano II, impulsionada pelas Conferências Geral anteriores, e para assegurar o rosto latinoamericano e caribenho de nossa Igreja. Reconhecemo-nos como comunidade de pobres pecadores, mendicantes da misericórdia de Deus, congregada, reconciliada, unida e enviada pela força da Ressurreição de seu Filho e a graça de conversão do Espírito Santo” (APARECIDA, 2007, 10 0-f).

O paradoxo atual da subjetividade
            A subjetividade está presente em nossos cultos e atitudes. Cresce cada vez mais as formas religiosas de se pôr e pensar Deus. O que pensar dos movimentos eclesiais que pós-concílio Vaticano II interpretou o sonho de João XXIII de colocar a igreja em diálogo com o mundo? Nas redes sociais até igrejas virtuais congregam fiéis na exploração deliberada de responder aos anseios humanos mais profundos. Como se vê são muitas as expressões e os caminhos. Nessa avalanche de subjetivismo cabe-nos colocar as premissas que nos identificam com Deus e com os que pensam – religiosamente – diferentes de nós: diálogo, tolerância e ternura.
            A fisionomia estética e cultural que caracteriza a sociedade atual questiona os dogmatismos e até faz pouco caso de suas premissas. Se a “modernidade se esgotou”, se a razão não foi capaz de responder a todas as expectativas humanas no século passado temos que conviver com a subjetividade vendo-a como desafiadora de nossas estruturas e não como adversária.
O caminho do diálogo  
            No espírito pós-moderno que circula nossa decisão não basta mais compreender o diálogo como o encontro de duas ou mais pessoas interagindo sobre um tema, com perguntas e respostas prontas. O que se impõe hoje é a capacidade de falar abertamente sobre tudo aquilo que afeta a mim e ao outro, sem limites, sem retroceder, sem abandonar a disputa e sem fechar a porta da acolhida. Dialogar agora é falar “com” o outro, é “ser com” o outro é deixá-lo ser na sua autonomia e inteireza. Dom Hélder possuía uma maneira divina de dialogar. Falava de um mundo irmão e sem dor e exclusão, como no seu poema Mariama: “Mariama, Senhora Nossa, Mãe querida, nem precisa ir tão longe, como no teu hino. Nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e o pobres de mãos cheias. Nem pobre nem rico.
Nada de escravo de hoje ser senhor de escravo de amanhã. Basta de escravos. Um mundo sem senhor e sem escravos. Um mundo de irmãos. De irmãos não só de nome e de mentira. De irmãos de verdade, Mariama". Uma compreensão mística do respeito ao outro e a sua escolha religiosa. Parece que quanto mais dialogamos mais abrimos possibilidades de encantamento e felicidade. “Bem aventurado os misericordiosos porque alcançarão misericórdia” (Mateus 5,7).
            O crente na pós-modernidade é filho do diálogo. Deve ser apaixonado pelo diálogo e através dele superar as incongruências de culto e de paradigmas que às vezes nos assusta. Sem diálogo na haveria criação – claro que é um modo transversal e poético de falar – pois Deus nos posicionou no mundo como administrador e não como proprietários. Pois bem, um dos exercícios mais comuns a quem administra é a conversa flexível, aberta, interminável, firme, aguda e também poética. Ela, a poesia, ajuda no diálogo a vencer o lado rude do nosso racionalismo.
A tolerância
            Na sociedade do consumo e da pseudo-saciedade não se admite mais o exclusivismo; nem cultural, nem religioso, nem de qualquer outra espécie. Com esses pressupostos queremos ressaltar a necessidade de criarmos caminhos de encontro e não de exclusão: seja na religião seja na cultura seja na política e nas decisões cotidianas mais urgentes é necessário tolerar. A tolerância nos faz aceitar o outro na sua diversidade, sem deixar que se perca a minha identidade. O tolerante é capaz de enxergar a bondade onde só aparece a obscuridade do mal. O tolerante não cansa de acreditar no exercício da partilha dos bens – inclusive os espirituais – na formaçà £o de um novo ethos onde a primazia seja dada à verdade, ao amor, ao perdão, a solidariedade. O tolerante é um discípulo em pleno século XXI, da ousadia de Jesus. A postura do tolerante em deixar com que o outro seja em sua inteireza facilitará uma nova aproximação das identidades históricas e dos caminhos espirituais como fez João Paulo II na cidade de Assis em 2002.
A ternura: um caminho que exige conversão
            A última premissa dessa abordagem – depois daremos continuidade em outros artigos – é a ternura. Ela compõe o quadro religioso daqueles (as) que seguiam Jesus no seu movimento da Palestina. Para que maior exemplo de aconchego do que a conversa de Jesus na casa de Lázaro, Marta e Maria: “Estando em viagem, entrou num povoado, e certa mulher chamada Marta, recebeu-o em sua casa” (Lucas 10, 38-42). E na casa de Simão? A sogra de Pedro encontra-se com febre (Lucas 4, 38-39) e Jes us revela a identidade humana o quanto é profundo cuidar do outro, preocupar-se “com”, não deixar-se vencer pelo egoísmo “satânico” de usar o outro só quando dele necessito. A palavra e a atitude mais preciosa de Jesus para significar ternura é sem dúvida “CUIDAR”.
            O egoísmo expõe demais as pessoas e as escraviza. Ele é um veneno contra a ternura. Tanto na ordem pessoal como nas estruturas sociais, religiosas, políticas e etc, ele é o grande responsável pelo esvaziamento das pessoas e pela observância desenfreada de se levar vantagem passando por cima dos outros e dos seus direitos. O egoísmo mata a ternura, embrutece o espírito, não ajuda a criar ambiente e relações fraternas; é desumano, apesar de sua presença em nossa natureza. É formador de opiniões preconceituosas que geram barreiras de raça, religião, gênero e outras e o pior é o originador do autoritarismo.
            Talvez aqui tocamos no cerne da questão. A sede humana pela ordem em que o outro deve se por ao meu comando, cria frieza e abre as portas para a dominação exacerbada. O autoritarismo não permite a cordialidade porque obstaculiza as relações. As pessoas são vistas como objetos e as relações humanas e sociais como coisas à disposição do “chefe”, do que “comanda”, enfim da pseudo-autoridade. Ele veste uma capa de Dom Quixote para espalhar a subserviência. O autoritarismo é diabólico. Mata a ternura, espanta a bondade e não permite a gentileza. Precisamos reverter esse quadro.
            No campo da religião, a ternura é um meio eficaz para chegar até o coração do outro e da outra. Considerado por alguns como o centro das decisões humanas, o coração pulsa e bate veloz quando sente gestos de ternura. Da parte de que agem com ela até a saúde física se equilibra, da parte de quem recebe, há um desmonte dos preconceitos. Parece que nos renovamos a cada gesto. E estamos convencidos que no séc. XXI o caminho da ternura é ideal para que o catolicismo e outras religiões de raiz cristã ou não encontrem o equilíbrio entre aquilo que pregam e o que celebram. A ternura é o lugar do encontro das diferenças.
            Quando muito se apregoou à antipatia entre nós cristãos por causa das diferenças não sabia os defensores da intransigência o mal que estavam fazendo para a humanidade. Falar de conversão não é praticar uma idéia religiosa que inspire alguém a mudar de um credo para outro. A ternura pressupõe a conversão. Alimenta-se dela. O convertido religioso – ou fora dos limites religiosos – ou praticante de um caminho espiritual precisa converter-se para a ternura e reaquecer suas posturas religiosas. O objetivo ou direção da ternura é assegurar ao outro o direito de ser amado e feliz. Não somos imagem e semelhança do Verbo? “E o Verbo se fez carne e veio habitar entre nós” João 1,18. Então sua encarnação amorosa é um profundo gesto de tern ura, de inspiração amorosa.  Seu cuidado para com os pobres e sofredores é nossa referência. Toda religião sadia e pontuada deve encontrar na ternura o sentido de sua existência.



REFERÊNCIAS
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1985.
Documento de Aparecida, Paulus, 2007.
IRVIN, Dale T.; SUNQUIST, Scott W. História do movimento cristão mundial: do cristianismo primitivo a 1453. São Paulo: Paulus, 2004.
LYON, David. Pós-Modernidade. São Paulo: Paulus, 1998.

José Soares de Jesus
Mestrando em Ciências da Religião UNICAP-PE
Membro a 25 anos das Cebs
Professor de História da Igreja Antiga até Contemporânea 
Seminário Maior da Província de Sergipe